Imagem: Marcus Vinicius Morais de Oliveira.

A UEMS na preservação do Bovino Pantaneiro

Saiba qual é a importância dessa espécie para o Bioma Pantanal

Patrimônio genético e cultural do Pantanal de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, o Bovino Pantaneiro é um animal encontrado apenas nesta região e atualmente a raça está em extinção. Na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) desde 2007, uma equipe de professores multidisciplinares do curso de Zootecnia (Graduação e Mestrado), da Unidade Universitária de Aquidauana, vem desenvolvendo pesquisas e ações de extensão universitária, visando o resgate, melhoramento genético e multiplicação dos animais pantaneiros.

A iniciativa começou com o Prof. Dr. Marcus Vinicius Morais de Oliveira, com apoio do Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP), por meio da fundação do Núcleo de Conservação de Bovinos Pantaneiros de Aquidauana (NUBOPAN). O professor Marcus Vinícius é zootecnista e integra o corpo docente da UEMS desde 2003, se dedicando à área de Avaliação de Alimentos para Ruminantes, Produção de Bovinos Leiteiros e Recursos Genético Animal (raça bovina autóctone do Bioma Pantanal).

Ao longo de 15 anos vários projetos foram desenvolvidos e dezenas de animais foram salvos e encontram-se atualmente totalmente protegidos, por conta da pesquisa e da ciência. Mais de cem publicações científicas, como artigos, trabalhos de conclusão de curso (TCC), dissertações e teses foram produzidas com dados oriundos de experimentos desenvolvidos no NUBOPAN/UEMS.

Dentre as divulgações, destacam-se as publicações efetuadas na revista inglesa Nature e no livro Recurso Genético Animal, publicado pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), onde foi ressaltada a importância dos trabalhos desenvolvidos com os bovinos pantaneiros no quesito futuro da segurança alimentar do planeta. Confira outras reportagens em que a raça pantaneira foi destaque no final do texto.

Para o reitor da UEMS, professor Dr. Laércio Alves de Carvalho, o destaque que a pesquisa sobre o bovino pantaneiro tem alcançado é motivo de orgulho que demonstra a força da ciência e pesquisa. “ A UEMS se destaca nacionalmente em diversas pesquisas de interesse regional. Nesse caso específico, a pesquisa que resgata o patrimônio cultural e histórico da raça bovina pantaneira, é mais um exemplo de sucesso, considerando a necessidade de preservar essa história para o povo de MS, e avançar na ciência com vistas ao melhoramento de novas raças adaptadas às nossas condições regionais”, acrescenta.

O professor dr. Tiago Junior Pasquetti, gerente da Unidade Universitária de Aquidauana, acrescenta que é gratificante saber que o trabalho dos docentes, juntamente com produtores parceiros, além de ser divulgado e reconhecido no meio científico, está tendo notoriedade nacional por outras vias de comunicação, neste caso, por meio da novela Pantanal.

“ Este trabalho com o Bovino Pantaneiro é um dos maiores projetos de extensão da nossa Universidade, abrangendo os estados de MS e MT. Além do salvamento desta raça genuinamente brasileira, e altamente especializada às condições inóspitas do Bioma Pantanal, permite a utilização sustentável dos recursos naturais existentes, e sem haver problemas com a fauna local, já que a perda de bezerros é muito baixa. Isso tudo reflete melhores índices da pecuária e preservação do meio ambiente. Assim, o salvamento do gado Pantaneiro se torna uma peça vital para a conservação do Pantanal, um bioma com características únicas e que depende totalmente da menor interferência humana, para poder preservar suas propriedades naturais de resiliência aos períodos intermitentes de seca e alagamento. Trabalhos como este reforçam o compromisso da UEMS com a sociedade, divulgando amplamente os nossos cursos e Programas de Pós-graduação, o que é fundamental para atrair alunos de todo o Brasil e até mesmo de outros países. Isso motiva a todos nós, docentes, alunos e funcionários a continuarmos trabalhando coletivamente, buscando sempre a excelência em Ciências Agrárias, elevando assim o nível da nossa Universidade”, finaliza

Hoje a UEMS possui o Grupo de Estudos em Bovinocultura Leiteira (GEBOL), liderado pelo Professor Marcus Vinicius; o Grupo de Estudos em Tecnologia da Reprodução Animal (GENTRA), liderado pela Profa. Dra. Fabiana Andrade de Melo Sterza; e o Grupo de Estudos em Sanidade Animal (GESA), liderado pela Profa. Dra. Carolina da Silva Barbosa; todos com trabalhos envolvendo a pesquisa e preservação da espécie.

Nesta reportagem você irá encontrar:

  • O que o bovino pantaneiro tem de especial?Características da raça
  • Um pouco de história - Como surgiu a raça
  • Saindo da extinção - Como a pesquisa tem auxiliando o bovino pantaneiro
  • Um novo capítulo - Interesse econômico na raça
  • Da sala de aula para a telinha - Bovino Pantaneiro na novela Pantanal
  • Bovino Pantaneiro na mídia - Listagem de reportagens sobre o assunto

Bovinos Pantaneiros na Unidade da UEMS, em Aquidauana (Imagem: Marcus Vinicius Morais de Oliveira)

Mas afinal, o que o bovino Pantaneiro tem de especial?

“Os primeiros rebanhos de bovinos vieram para a região do Pantanal com os colonizadores espanhóis no início do século XVI, cerca de 200 anos depois chegaram os animais trazidos pelos portugueses. O livre cruzamento entre esses grupos genéticos, gerou por seleção natural uma raça autóctone, com genes Bos taurus taurus, genuinamente brasileira. Ou seja, temos um bovino com genética essencialmente europeia, magnificamente adaptado às condições singulares do Pantanal”, explica o Professor Marcus Vinicius.

Até a Associação Brasileira dos Criadores de Bovino Pantaneiro ser oficialmente reconhecida, em 2013, pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) o bovino Pantaneiro era designado por diferentes nomes locais, como cuiabano, jofreano, marruá, taboqueano e taquati. Sendo há séculos as qualidades e características imponentes dos animais descritas em poesias e letras de canções.

O longo processo de seleção natural, com períodos intermitentes de seca e alagamento, levou o bovino Pantaneiro a ser perfeitamente adaptado às condições climáticas do Bioma Pantanal. Seu casco denso lhe permite caminhar continuamente nas paisagens alagadas. Seus chifres grandes auxiliam na termorregulação, reduzindo os efeitos das altas temperaturas, além de servirem como proteção às onças. O couro é preto e os pelos finos e sedosos, minimizam a ação danosa dos raios solares. Os animais também se destacam por terem carne e leite de alta qualidade.

“Existe ainda o interesse na manutenção desta genética taurina diferenciada, porque este gado tem uma alta tolerância ao carrapato, e, portanto, um grande diferencial frente as raças modernas europeias, que tem seu uso limitado na pecuária comercial. Todavia, é necessário o apoio dos órgãos de fomento público, e em especial dos Governos dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para a obtenção de recursos para dar continuidade ao trabalho que está sendo feito pela Universidade”, acrescenta.

Apesar dos esforços, a raça ainda está em risco de extinção tanto no Mato Grosso como no Mato Grosso do Sul. Segundo as pesquisas, em 2007 existiam em ambos os estados cerca de 500 animais puros, hoje com os trabalhos de divulgação e fomento da raça, esse número triplicou, mas ainda há muito que avançar.

Um pouco de história

Imagem do período em que os bovinos, na época chamado de cuiabanos, chegavam com os tropeiros e marchantes em Sorocaba (SP), município que tornou-se um marco nos séculos XVIII e XIX, devido a sua posição estratégica. (Imagem do acervo do Museu Histórico Sorocabano)

As pesquisas apontam que no final do século XIX existiam cerca de 3 milhões de cabeças de bovino Pantaneiro nas partes alta e baixa do Pantanal brasileiro. Foi neste período que se consolidaram os grandes frigoríficos produtores de charque. E com a exploração dos animais sem controle adequado, os rebanhos foram diminuindo rapidamente e outras raças, especialmente as zebuínas, foram sendo introduzidas no Pantanal. Nesse período ocorreu também o envio maciço de animais Pantaneiros, por meio de comitivas e de trem, para o Estado de São Paulo, principal mercado comprador de bovinos do Pantanal.

Nesse contexto, o cruzamento absorvente com o gado nelore foi o mais danoso a raça Pantaneira, sendo em alguns anos os bovinos Pantaneiros reduzidos a apenas algumas centenas de indivíduos. “Os poucos animais que sobraram foram mantidos pelas famílias mais tradicionais, devido à maciez e sabor da carne, e pela qualidade do seu leite”, explica o Professor Marcus Vinícius.

Saindo da extinção

A grande virada para o salvamento da raça ocorreu com a criação da Associação Brasileira de Criadores de Bovino Pantaneiro (ABCBP), no ano de 2013. Onde congregou-se produtores e os trabalhos efetuados pela Embrapa Pantanal e pelo NUBOPAN/UEMS.

Recursos disponibilizados para a Rede de Pesquisa Pró-Centro Oeste, possibilitou uma parceria com a Universidade de Córdoba, na Espanha, e viabilizou análises de DNA, de maneira a ser possível rastrear quais raças europeias foram as ascendentes e responsáveis pelas características atávicas do bovino Pantaneiro.

Ao todo foram identificadas 11 raças, sendo 4 espanholas (Berrenda Negra/Vermelha, Negra Andaluza, Retinta, Rubia Gallega) e 7 portuguesas (Alentejana, Algarvia, Arouquesa, Barrosa, Mertolenga, Minhota, Mirandesa). Registros também corroboram a existência, em alguns rebanhos, de genes oriundos das raças Shorthorn e Hereford, ambas originárias da Inglaterra.

Na UEMS, em Aquidauana, os primeiros animais chegaram em 2009. Fruto de uma parceria com a Embrapa Pantanal, viabilizada pelo Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP). Foram recebidas 15 bezerras desmamadas, com 8 meses de idade, da Fazenda Nhumirim, campo experimental da Embrapa Pantanal, em Corumbá.

Registros da chegada dos primeiros animais no NUBOPAN / UEMS, em Aquidauana (Imagem: Marcus Vinicius Morais de Oliveira)

Hoje o NUBOPAN/UEMS possui em torno de 100 animais puros, utilizados para fins de pesquisa com foco na avaliação do potencial zootécnico, das linhagens leiteira e frigorífica. Nesse sentido, tem se buscado através do melhoramento genético o acasalamento de indivíduos mais produtivos e economicamente mais eficientes.

Os esforços envidados para efetuar a localização de animais criados incognitamente nas fazendas, com posterior resgate e transferência para o NUBOPAN/UEMS, tem também ajudado significativamente neste trabalho de seleção de animais. Eliminando os riscos de cruzamento endogâmicos, ou seja, entre indivíduos aparentados. A parceria, em regime comodato, com fazendas que criam gado pantaneiro também favorece os produtores, pois fornece justamente os animais que precisam para aumentar a variabilidade genética do seu rebanho.

Um dos produtores parceiros da UEMS é o pecuarista Marcus Ruiz, um apaixonado pela raça que durante muitos anos procurou exemplares do bovino pela região para aumentar a criação. O produtor e sua família criam o bovino pantaneiro desde 1974 na Fazenda São Marcos, localizada na região do Vale do Ariranha, divisa com o município de Guia Lopes da Laguna. O pecuarista conta que o contato com a raça começou ainda na infância consumindo o leite das vacas pantaneiras e ouvindo as histórias sobre a importância do animal para a economia e desenvolvimento local.

“Já fazia anos que eu estava procurando mais animais da raça e nada de encontrar, e todo mundo que eu contava a minha vontade de criar gado pantaneiro me desacreditava. Eu já estava quase desistindo da ideia quando conheci o professor Marcus. Ele me ligou na quarta-feira e no sábado estava na minha fazenda conhecendo meus animais. Houve esse olhar diferenciado. Quando ele conheceu meus animais ele disse que eu tinha um tesouro nas mãos. Depois disso fomos firmando a parceria, alguns animais meus foram para UEMS e também comecei a participar de encontros sobre raça nativa em todo País. Formalizamos a associação e já começamos a fazer o registro desses animais. A raça que quase se extinguiu, que ninguém reconhecia, que ninguém dava valor, agora está tendo os animais registrados por causa de pessoas que acreditaram e que se importaram”, explica o Ruiz.

Touro Duas Luas da UEMS que está servindo no sistema de comodato na Fazendo do pecuarista Marcus Ruiz. (Arquivo Pessoal Marcus Ruiz)

O produtor rural, Marcus, registra a paixão pela raça pantaneira em seu canal no Youtube que reúne diversos vídeos do rebanho. Confira

Nos últimos dez anos, o NUBOPAN/UEMS passou a ser o maior centro de disponibilização de material genético do Bovino Pantaneiro. O cruzamento de indivíduos vindos de diferentes rebanhos, devido às parcerias em comodato, foi fundamental para aumentar a diversidade genética dos animais criados no NUBOPAN/UEMS.

“Começamos a observar o nascimento de animais extremamente diferentes. Aquele gene que estava escondido lá atrás, simplesmente despertou. Começamos a ter animais bonitos e muito mais produtivos. Hoje o bovino Pantaneiro criado na Universidade é altamente competitivo no mercado, e isso faz com que tenhamos mais pessoas interessadas em criar o bovino pantaneiro!”, salienta o professor Marcus Vinicius.

Um novo capítulo

O trabalho de divulgação efetuado pelos professores da UEMS, juntamente com os produtores vinculados à ABCBP tem despertado o interesse de investidores que possuem o ecoturismo como principal atividade econômica, bem como de produtores que buscam um sistema pecuário mais natural, em criar os bovinos Pantaneiros.

“Devido ao seu hábito de forrageamento singular ele aproveita todas as fontes de alimento disponíveis, como as palmeiras e seus frutos, diminuindo o excesso de biomassa e minimizando os riscos de incêndios. Sendo também os únicos bovinos especializados em consumir gramíneas que crescem nas áreas mais alagadas. Além disso, seu comportamento familiar gregário e extremamente protetivo, faz com que a convivência com predadores, especialmente as onças, sejam harmônicas, podendo ambas as espécies conviver equilibradamente no mesmo ambiente. Os chifres grandes, além de ajudarem em sua proteção, também são atrativos para os turistas”, explica Marcus Vinicius.

A pelagem multicolorida dos animais também chama atenção, sendo mais comuns as cores baias, brasinas e castanhas, todavia, é frequente a intensidade da tonalidade variar em função das estações do ano, de maneira a facilitar o mimetismo do animal com a paisagem. Outro grande diferencial do gado Pantaneiro, que também tem atraído os olhares de investidores, é com relação às características organolépticas da carne. (Características organolépticas são características que podem ser facilmente percebidas pelos nossos sentidos como cor, textura, odor e sabor.)

“Devido a inibição do gene da miostatina e da maior concentração das enzimas calpaína e calpastatina, responsáveis pela maior maciez da carne. Já o sabor inigualável ocorre em função do marmoreio, que é aquela gordurinha intramuscular que se deposita conjuntamente com as fibras musculares”, acrescenta Marcus Vinicius.

Da sala de aula para a telinha

A novela Pantanal mostrou mais uma vez as belezas, a cultura e a riqueza da região, e entre os assuntos mais comentados está o Bovino Pantaneiro. Se a primeira versão da novela mostrava a força do homem sobre o animal, o remake mostra como os animais da raça são importantes para a região por serem um legado natural e portadores de referência da genética e da memória cultural da sociedade pantaneira.

Há dois anos, Bruno Luperi, o escritor responsável pela regravação da novela na Emissora Globo de Televisão esteve na UEMS em Aquidauana para conhecer mais sobre a raça Pantaneira. Bruno é neto de Benedito Ruy Barbosa, autor original da novela Pantanal. Desde então, o professor Marcus Vinicius passou a auxiliar Bruno com informações zootécnicas sobre a raça.

“O bovino pantaneiro é o cerne da novela, então o conhecimento sobre a raça foi muito importante para a construção fidedigna do enredo. Bruno compartilhava as ideias dos textos e eu verificava se as informações técnicas estavam corretas com as falas dos personagens. Todas as atividades ocorreram em completo sigilo, sendo as informações compartilhadas apenas com a equipe de roteiristas sob a supervisão do Bruno”, conta o professor Marcus Vinicius.

Bruno Luperi (centro), prof. Marcus Vinicius (esquerda) e Thomas Horton, presidente da ABCBP (direita). (Imagem: Marcus Vinicius Morais de Oliveira)

A pesquisa desenvolvida pela equipe do NUBOPAN /UEMS foi citada na novela no início de agosto de 2022. Os personagens de Guta (Julia Dalavia) e Marcelo (Lucas Leto) querem aumentar o rebanho e promover o melhoramento genético do gado Pantaneiro criado na fazenda do Tenório (Murilo Benício). Sequencialmente vários capítulos também citavam o trabalho do professor na Universidade.

Cenas da novela Pantanal com os personagens: Marcelo, Guta e Tenório. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Bisneto de marchantes e de tropeiros, o professor Marcus Vinícius conta que viu na infância em Sorocaba, SP, os bovinos Pantaneiros criados na fazenda de seus avôs.

“Sempre soube que a origem do gado era do Pantanal, mas na época eu os achava muito diferentes, com uma pelagem colorida, chifres vistosos e por não terem cupim. Hoje, não tenho dúvidas, que o gado criado era o Pantaneiro. Assim, para quem acredita em destino, acabei seguindo a tradição e mantendo o legado da família, numa perfeita definição de ouroboros. Enfim, o trabalho que desenvolvo na UEMS é muito maior do que uma pesquisa, é um trabalho de vida, que visa prioritariamente o salvamento da raça Pantaneira!”, finaliza Marcus Vinicius.

Foto do avô do professor Marcus Vinicius, Vicente Moraes, ao lado de uma vaca pantaneira amamentando seu bezerro. (Arquivo pessoal)