Dourados, 10 de junho de 2016
Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) revela o tamanho do impacto da formação universitária na condição socioeconômica de indígenas do Estado. Os que concluíram a formação superior chegam a ganhar valor até 18 vezes maior que a renda per capita média dos indígenas sul-mato-grossenses.

De acordo com levantamento realizado pelo Datasus, em 2010, a renda per capita média dos indígenas em MS era de R$181,31. Para contrastar este dado, a UEMS entrevistou 32 indígenas, já formados pela Instituição, e verificou que a renda média informada por eles é de R$3,177,37.

As entrevistas, realizadas no período de 19 a 25 de maio de 2016, revelam outro cenário importante: apenas um dos indígenas ouvidos está desempregado e outro trabalha fora da área de formação. Os 30 demais estão empregados nas áreas pelas quais foram qualificados na Universidade.

Segundo a historiadora Beatriz Landa, especialista na área, há no Brasil cerca de 10 mil indígenas cursando o Ensino Superior, entre os quais 10% estudam em instituições de Mato Grosso do Sul. “Isso representa um ganho para o país, para o Estado e, principalmente, para a própria população indígena”, enfatiza.

Segundo informações da Rede de Saberes, programa de apoio à permanência de estudantes indígenas nas Instituições de Ensino Superior (IES), apenas as quatro instituições que integram a rede no Estado – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e Universidade Católica Dom Bosco, concentram aproximadamente 800 acadêmicos indígenas.

DESIGUALDADES ENTRE INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS


Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do Brasil. De acordo com dados do último Censo Demográfico, de 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 73.295 indígenas no Estado, sendo a maioria das etnias Guarani, Kaiowá, Terena e Kadiwéu.

Ainda segundo o Censo Demográfico, a cidade de Dourados concentra 6.830 indígenas. No entanto, levantamento feito pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), em 2013, aponta a presença de 14.824 indígenas na cidade, sendo a maioria nas Aldeias Jaguapirú (6.442) e Bororó (6.438).

Apesar da forte presença dos povos indígenas, os dados apontam que as desigualdades sociais e, principalmente, econômicas entre indígenas e não indígenas ainda são alarmantes no estado. Segundo levantamento do Datasus, feito em 2010, a renda média per capita do indígena em Mato Grosso do Sul saiu da casa dos R$ 146,24 em 2000, para R$181,31 em 2010.

A renda média per capita do negro foi de R$328,17 em 2000, para R$602,51 em 2010; e do pardo, o número variou de R$ R$ 368,46 para R$ 580,09. No caso do amarelo, a renda média per capita diminuiu de R$1.728,81 em 2000, para R$1.126,88.

O mesmo levantamento aponta que a renda média per capita registrada para o branco variou de R$ 728,37 para R$ 1.025,26. Ou seja, a renda per capita do indígena figura como a menor entre todas as classes, sendo quase seis vezes menor que a do branco. Japorã, localizado na parte sul do estado, é o município com a maior proporção de indígenas, 49,4%. Segundo o Data SUS, a mesma cidade registrou, em 2010, a menor renda média per capita do indígena, de R$64,23.

CAMINHO PARA ASCENSÃO DOS POVOS INDÍGENAS:
PESQUISA MOSTRA RENDA ANTES E DEPOIS DA UNIVERSIDADE


A pesquisa feita com 32 indígenas egressos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) revelou que a renda média entre eles é de R$3.177,37.

Antes de ingressarem na graduação, os entrevistados informaram que ganhavam, em média, R$543,28. A maioria deles trabalhava com venda de produtos, como operários em fábricas e frigoríficos, ou mesmo fazendo “bicos”. É o caso da professora Noemi Francisco, da etnia Terena. Ela se formou em Letras, com habilitação em Português e Inglês e, antes começar a universidade, vendia artesanato em feiras e eventos.

Dos 32 entrevistados, 17 são formados em cursos de Licenciatura e atuam como professores da Educação Básica. Os outros 15 são bacharéis nas áreas de Direito, Enfermagem, Engenharia Ambiental, Agronomia e Turismo.

A maioria atua diretamente no atendimento às populações indígenas. Os trabalhos são desenvolvidos tanto nas próprias aldeias, como o caso do professor Josué Gabriel Leão, que leciona na escola Guateka, localizada na Aldeia Jaguapirú, em Dourados, como na cidade, como o enfermeiro Elizeo Alexandre Júnior, que atua na Casa de Apoio à Saúde Indígena, em Amambai.

O cenário é recorrente, segundo a pesquisadora Beatriz Landa. Segundo ela: “A grande maioria dos indígenas egressos formados pela UEMS retornam para suas comunidades de origem, em terras indígenas, transformando a realidade local”.

POLÍTICAS AFIRMATIVAS:
OPINIÕES SOBRE COTAS NAS UNIVERSIDADES


Mato Grosso do Sul é o único estado que conta com uma Lei, 2.065/2003, que garante o acesso dos indígenas na educação pública superior. Diversas universidades incentivam, por meio de cotas, o acesso desses estudantes a cursos específicos. No Brasil, apenas a UEMS reserva 10% de todas as suas vagas de graduação para indígenas.

Esse sistema de acesso à universidade – por cotas - é considerado um avanço para muitos especialistas, no entanto, a opinião não é unanimidade entre a sociedade. Para esta reportagem, ouvimos as opiniões de alguns moradores da cidade de Dourados sobre as cotas nas universidades.

INDÍGENAS TRANSFORMANDO A REALIDADE LOCAL, O PRESENTE E O FUTURO


Segundo a pesquisadora Beatriz Landa, a maioria dos indígenas formados pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em especial os dos cursos de Licenciaturas, retornam para suas comunidades de origem e, com o trabalho, passam a contribuir com a transformação da realidade local. É o caso da professora Alessandra Rodrigues da Silva, de 28 anos, formada em Letras Português/Espanhol pela Universidade. Ela atua em uma escola municipal dentro da Aldeia Jaguapirú, em Dourados, lecionando para turmas do 1° ao 9° ano. “Durante o período de estágio, dei aulas em escolas não indígenas, mas prefiro a escola indígena, pois é a minha realidade, então me sinto em casa”.

A enfermeira Indianara Ramires Machado, de 25 anos, também retornou à aldeia de origem. Após se formar, em 2011, conseguiu trabalho no Hospital da Missão e, meses depois, foi selecionada para trabalhar na unidade básica de saúde da Aldeia Bororó. “Gosto de ajudar nas atividades educativas - em ações, em rodas de conversa, grupo de gestantes. Trabalhar junto ao meu povo é bom e o aprendizado é diário, pois a cultura influencia na forma como eles veem as doenças, então para os tratamentos também é preciso de muito diálogo”, finaliza Indianara.

O jornalista André Mazini conversou com dois professores da rede pública, um acadêmico da UEMS e um aluno da Escola Estadual Guateka - Marçal de Souza, todos indígenas, sobre expectativas, medos, dificuldades e planos de cada um deles. Confira abaixo o bate-papo.

DA UEMS PARA A UNIVERSIDADE DE SORBONNE (FRANÇA)


O professor Tonico Benites, de 44 anos, é egresso da UEMS e o primeiro indígena de Mato Grosso do Sul a cursar um Pós-doutorado, que desenvolve atualmente na mundialmente prestigiada Universidade Sorbonne, na França. “As dificuldades foram muitas, tive problemas com a língua, além das barreiras culturais e, principalmente, econômicas, mas nenhuma foi grande a ponto de me fazer desistir do meu sonho”, disse.

Mas seu caso ainda é uma exceção. Após ingressar na Universidade, grande parte dos indígenas enfrenta desafios diários para permanecer até a conclusão do curso. A pesquisadora Beatriz Landa afirma que a passagem pela formação superior sempre é um ganho para os indígenas, ainda que a instituição não saiba lidar, em sua totalidade, com os problemas e desafios vivenciados por eles. “Infelizmente, falta o correto acolhimento e a pluralidade no âmbito interno para uma melhor compreensão deste grupo específico de acadêmicos”.

Tonico Benites, que além da França também tem desenvolvido parte de seus estudos na Irlanda, é da etnia guarani-kaiowá, nasceu em uma aldeia no município de Tacuru, região sul do Estado. Concluiu o curso Normal Superior, oferecido pela UEMS, em Dourados, para qualificar professores na atuação da educação básica e, mais tarde concluiu o Mestrado e o Doutorado em Antropologia Social, com ênfase em Educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

CAMPANHA “MEU SONHO”


Recentemente, durante a semana de comemoração do Dia do Índio, a UEMS lançou a campanha “Meu Sonho” que teve um alcance recorde em uma das redes sociais administradas pela Universidade. Mais de 100 mil pessoas viram, curtiram, comentaram e/ou compartilharam imagens onde indígenas universitários mostraram seus sonhos em cartazes escrito à mão.

Entre as aspirações estavam desde uma viagem à Dubai para conhecer novas culturas, até o mais recorrente que era concluir a formação universitária e poder trabalhar em favor de outros indígenas. Abaixo você confere o vídeo e as fotos da campanha.

CONFIRA O VÍDEO COMPLETO DA WEBSÉRIE INFORMATIVA "INDÍGENAS NA UNIVERSIDADE"


Editor: André Mazini
Jornalistas: Eduarda Rosa, Rubens Urue e Tatiane Queiroz
Webdeveloper: Bruno Andrade
Designer gráfico: Renan Guilherme


Realização: ACS/UEMS & Projeto Mídia e Ciência