Em Mato Grosso do Sul faz muito calor. E foi debaixo do sol quente do cerrado que tantas vezes o “seu” João José Rodrigues juntou perto de si as três filhas, apontou o indicador para a mesma escola e disse:
- Estão vendo aquela escola? Vocês têm que estudar para trabalhar aqui. Aqui precisa de professor. Estudem, estudem! Porque nesta vida se temos terra, a gente pode perder, se temos um carro bom a gente pode perder também, mas o estudo, minhas filhas, jamais, jamais!
Nas vezes que o indígena cortador de cana repetia esta cena, narrada pela filha Cristiane, acompanhada pelas irmãs Sonia e Sandra, ele provavelmente não tinha em mãos os indicadores a que temos acesso hoje sobre a dificuldade que as mulheres ainda encontram para ascenderem profissionalmente no Brasil. Provavelmente não sabia que, segundo o último levantamento publicado pelo IBGE, apesar de representarem a maioria da população brasileira, as mulheres continuam minoria (45,1%) entre o que Instituto chama de população “ocupada”.
O que seu João sabia é o que ele testemunhava no dia a dia ensolarado de Mato Grosso do Sul: o mercado de trabalho, que é difícil para todos, seria ainda mais para suas filhas. Mas o dedo apontado para a escola nunca saiu do norte das irmãs Rodrigues. Inspiradas pelo conselho do pai e apoiando-se umas às outras, enfrentaram todos os desafios e se formaram, as três, em Letras (habilitação em Português/Inglês) pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Atualmente todas estão empregadas, lecionando em escolas de Dourados.
Seu João, que faleceu há 14 anos, certamente ficaria feliz em ver que elas andaram pelo caminho que ele insistentemente apontava. Segurando o choro, Cristiane lembra: “Quando peguei o diploma passou um filme na minha cabeça”, faz uma breve pausa, respira fundo e continua, “de tudo que vivemos, de todas as dificuldades, de estar recebendo um certificado por quatro anos de estudo, de esforço, de muita dedicação. É um sonho realizado, para mim foi muito emocionante. É inexplicável, só sentindo mesmo!”.
Números da desigualdade
Na Universidade, as irmãs Rodrigues entraram também em um dos poucos espaços sociais em que as mulheres têm avançado, nas últimas décadas, rumo ao tão sonhado, e batalhado, tratamento igualitário entre os gêneros.
Da graduação ao mundo das pesquisas acadêmicas, a universidade brasileira hoje é um espaço predominantemente feminino. Mas não foi sempre assim. No ano de 1956 as mulheres eram apenas 26% entre estudantes universitárias matriculadas, mas já em 1971 esse índice subiu para cerca de 40 %, segundo dados publicados pelo Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior/Fundação Ford, em 2014. E atualmente, segundo o último levantamento do Inep, publicado em 2015, para cada 100 estudantes de nível superior 56 já são do sexo feminino. Do total de 91.739 estudantes matriculados as mulheres somam 51,4 mil.
Na frieza dos números esse cenário não deveria representar nenhuma novidade digna de abordagem jornalística. Afinal, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, divulgada pelo IBGE em 2013, elas representam 51,4 % da população brasileira. Mas se nos números elas estão lá, em outros espaços, particularmente nas instâncias de poder e liderança, nem tanto.
Exemplo disso está nas mais altas estruturas do poder público brasileiro, aquelas que o brasileiro acompanha no noticiário diariamente. No Superior Tribunal Federal são duas ministras entre dez ministros. Na Câmara dos Deputados elas ainda representam só 10,72% do total de deputados. E no Senado, são 12 em um total de 81 senadores.
No setor privado o desequilíbrio continua. De acordo com pesquisa da International Business Report (IBR) - Women in Business, realizada pela Grant Thornton, a presença feminina em cargos de CEO aumentou de 5% em 2015 para 11% em 2016. O número de empresas com mulheres no comando financeiro (CFO) também registrou o mesmo salto, de 5% para 11%. O aumento é expressivo, mas os indicadores gerais ainda mostram discrepância entre a presença de homens e mulheres nos cargos altos. A mesma pesquisa revela, por exemplo, que em 2013, aproximadamente um terço das companhias diziam não contar com absolutamente nenhuma mulher em postos mais elevados e estratégicos. A mesma percentagem da média global de empresas sem executivas líderes hoje em dia, segundo o estudo.