Integridade e Ética

Por: Eduarda Rosa | Postado em: 16/04/2018

Integridade remete à honestidade, inteiro, inocente, segundo o dicionário Michaelis. E é nesse sentido que a produção de conhecimento científico deve caminhar: almejando a confiabilidade dos resultados e a prestação de contas à sociedade.

É o que ressalta, em entrevista a UEMS, a professora, Sonia Vasconcelos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que também é coordenadora da Câmara Técnica de Ética em Pesquisa (CTEP), da UFRJ, e desenvolveu um projeto de pós-doutorado em integridade em pesquisa na mesma universidade.

Neste mês de abril, a UEMS, por meio da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PROPP), reafirma a campanha de Integridade e Ética na Pesquisa iniciada em 2017, com o objetivo de fomentar a discussão sobre o tema na Universidade.

Confira a entrevista:

UEMS: Além do plágio, o que mais envolve a ética e integridade na pesquisa?

Sonia Vasconcelos:  A integridade acadêmica está muito associada à produção acadêmica em sentido mais amplo, não necessariamente, diretamente ligada à pesquisa. Integridade acadêmica, por exemplo, pode ser tratada no âmbito da formação na graduação, no âmbito da produção intelectual dos graduandos e tem uma relação muito forte com a honestidade com que os alunos lidam com a vida na universidade, com a produção e autonomia intelectual desses alunos. Existe uma discussão forte entre integridade acadêmica e, por exemplo, a cola na Universidade, sobre a importância de produzir trabalhos que de fato reflitam contribuição do indivíduo e não de outrem ou de outros alunos.

Essa é uma das razões pelas quais quando a gente fala de integridade acadêmica, o foco acaba ficando mais voltado para plágio ou autoria, por exemplo, porque são questões essenciais no âmbito da produção intelectual e formação dos alunos.

UEMS: Então integridade acadêmica é bem mais ampla do que integridade na pesquisa?

Sonia Vasconcelos:  Integridade acadêmica é mais ampla, no sentido de que ela pode contemplar os resultados da pesquisa. A integridade em pesquisa estaria mais relacionada com a maneira com que os projetos são propostos, como a pesquisa é conduzida, como os resultados são relatados, como os resultados são revisados... Essa questão ética é mais associada ao âmbito profissional do cientista, tendo uma relação muito forte com a honestidade com que a pesquisa é feita, nas várias etapas que orientam um trabalho científico. É um termo muito amplo, porque se associa à confiabilidade dos resultados científicos, com a responsabilidade dos autores, dos pares que revisam os trabalhos, do sistema que financia a pesquisa, do sistema que forma os alunos, que passam a contribuir como autores científicos.

É um tema que está muito ligado à natureza do empreendimento científico, com os desdobramentos desse empreendimento e as contribuições que são compartilhadas com os pares, com o público. Por exemplo, os resultados devem ser  divulgados de forma que possíveis conflitos de interesse sejam revelados à comunidade, aos leitores... Lidar, aspectos éticos associados à  divulgação dos resultados também estão  ligados  ao conceito de integridade em pesquisa.

 

“Integridade acadêmica tem uma relação muito forte com a honestidade com que os alunos lidam com a vida na universidade, com a produção e autonomia intelectual desses alunos.”

 

UEMS: A questão da integridade e ética é um grande problema da ciência atual?

Sonia Vasconcelos:  Tenho receio de falar que hoje nós temos “uma crise de integridade em pesquisa, na ciência”. “Que nunca houve nenhum momento que tivesse tanta fraude, tanto plágio”. Claro que problemas dessa natureza são parte dos desafios postos à comunidade acadêmica, aos gestores, e eles não são peculiaridades de alguns países. Por exemplo, há um desafio posto sobre a reprodutibilidade e confiabilidade de resultados, neste momento com maior foco, na área biomédica, e a relação com a integridade em pesquisa é estreita em muitos aspectos. Na principal conferência mundial na área, realizada em 2015 na Holanda, houve muita discussão sobre essa questão. Na verdade, vivemos um momento único de possibilidades, que não tínhamos antes, de conhecer melhor a frequência e natureza de vários desses problemas e nos posicionarmos e criarmos mecanismos para abordá-los. A internet facilita muito isso!

Para mim é um momento muito mais positivo do que negativo, porque temos uma ampla possibilidade de discutir aspectos sobre a atividade científica que são fundamentais e às vezes pouco explorados. Vivemos um momento único para discutir como está o nosso ambiente de pesquisa, quais são os fatores que podem contribuir para que esse ambiente fique mais amigável para os alunos de pós-graduação, para os jovens pesquisadores, aqueles que estão começando a se inserir no Sistema.

Nós temos, dentro do sistema, atores que estão muito inclinados a discutir essa temática e que vêm desenvolvendo iniciativas para tentar entender que aspectos do ambiente de pesquisa podem fomentar uma conduta responsável. Vemos esse movimento claramente em universidades em vários lugares do mundo.

Os Estados Unidos vêm investindo fortemente nisso. Um exemplo desse esforço é o NIH – National Institutes of Helath. Alguns podem dizer que existe uma questão muito objetiva, em relação aos Estados Unidos, porque é um país que se preocupa muito com o desperdício de dinheiro investido. Mas eles querem ter confiança de que aquele grupo que recebe um determinado financiamento de fato vai conduzir um projeto de maneira responsável e os resultados que serão produzidos serão confiáveis, porque há uma honestidade, uma legitimidade no que o grupo/pesquisador faz. Mas obviamente há uma preocupação genuína nas universidades e nas instituições que financiam a pesquisa com a confiança pública e a veracidade dos resultados que são divulgados. No campo do financiamento, uma iniciativa que reflete bem os esforços é a criação do Global Research Council [Conselho Global de Pesquisa], há cerca de 6 anos, que reúne agências de financiamento de ínúmeros países e cujos encontros iniciais se debruçaram sobre a integridade científica e questões relacionadas.     

 

“A ideia é assegurar a confiabilidade dos resultados, de se colocar mais aberto à  responsabilização, a prestação de contas.”

 

UEMS: Existe uma preocupação maior com a confianças dos resultados?

Sonia Vasconcelos:  Sim. A ideia é assegurar a confiabilidade dos resultados e do pesquisador se colocar mais aberto à responsabilização. Tem um termo que eu gosto bastante e passou a ter um espaço um pouco maior de dez a quinze anos para cá. Quando olhamos os documentos e a discussão sobre ética e pesquisa, mais amplamente, nos deparamos com o termo accountability (parte do título de um periódico na área de ética em pesquisa), se referindo à responsabilização do pesquisador sobre aquilo que é publicado, sobre os resultados que são publicizados para a sociedade. Tem uma ideia de prestação de contas!

Associada a essa ideia de accountability, que eu acho que, por um lado é um reflexo dessa interface mais forte com a sociedade, é natural que isso aconteça, por um outro lado, eu acho que que o sistema também tem a possibilidade de identificar quais são as lacunas que devem ser preenchidas para que essa confiabilidade fique mais assegurada. Acaba sendo um mecanismo também de controle social da própria comunidade de pesquisa.


“A gente vive um momento único em que experimentamos essa interface cada vez mais próxima entre a ciência e a sociedade, entre a sociedade e a universidade.”

 

UEMS: Com isso a ciência e a sociedade estão cada vez mais próximas?

Sonia Vasconcelos:  Sim. Existe um outro componente desse cenário que obviamente tem um papel decisivo nas preocupações que percebemos hoje, que é a interface da ciência com a sociedade cada vez mais forte e a sociedade conhecendo cada vez mais como a ciência é produzida, como os processos acontecem, num posicionamento muito mais ativo se compararmos o cenário com três, quatro ou cinco décadas atrás. Hoje há uma possibilidade de divulgação muito mais aberta ao público sobre o “fazer ciência”, dos processos associados à natureza da atividade científica. Essa proximidade também faz com que tenhamos uma sociedade muito mais proativa e um sistema de ciência e tecnologia muito mais fomentador dessa interação.

Vivemos um momento único em que experimentamos essa interface cada vez mais próxima entre a ciência e a sociedade, entre a sociedade e a universidade.  A preocupação com a extensão universitária, por exemplo, nunca esteve tão forte! Toda essa discussão atual sobre integridade em pesquisa fomenta esses debates - que são fundamentais para a saúde do sistema que temos hoje.

 

UEMS: Qual conselho a senhora daria para @s jovens pesquisadores sobre integridade e ética?

Sonia Vasconcelos:  O máximo de comprometimento com os objetivos e com o relato da pesquisa numa dada contribuição, seja na dissertação, na tese, num artigo de pesquisa, num artigo de revisão. Para artigos de pesquisa, cada vez mais eu tenho reforçado para os meus alunos que todos os detalhes metodológicos são importantes para que os revisores possam avaliar o rigor associado ao trabalho conduzido.  Que haja cada vez mais atenção à exposição da interpretação dos resultados, evitando  generalizações apressadas sobre aquelas contribuições e, ao mesmo tempo, deixando muito claro qual é o terreno da especulação e qual é o terreno da segurança em que está  o pesquisador quanto à interpretação dos  resultados.


Anexos: